Não é por acaso que sou assim

 NÃO É POR ACASO QUE SOU ASSIM.

 

Bicicleta, desde que me conheço por gente tenho uma. Soltei pipa, andei de rolimã, de skate e tantas outras brincadeiras de moleque, mas a bicicleta sempre foi meu forte e paradoxalmente, também meu fraco. Não sei dizer como se deu início à essa minha paixão, eu era tão menino e lembro-me daquela minha Monark azul, dobrável que tinha rodinhas de apoio.  Ao me lembrar dela, é quase que impossível não recordar de meu pai, dando lições de como eu não mais fazer uso delas, as rodinhas.

Depois disso todo um horizonte se abriu, as bicicletas foram ficando maiores, assim como as distancias percorridas. Os passeios cada vez mais longos e as sensações cada vez mais intensas e duradouras. A cidade, por sua vez, ficou diferente aos meus olhos, agora haviam mais texturas, cheiros e cores. Esse misto impregnou-se em minha alma, como forma de liberdade e cada vez mais eu pedalava, por puro prazer.

Lembro-me bem da época que lançaram o filme “ET” em que meninos voavam com suas bicicletas graças aos poderes do protagonista extraterreno que tentavam salvar. No entanto, sendo eu neste tempo um pré-adolescente, pedalar já não me bastava, era preciso voar. Foi quando surgiu o bicicross, onde um salto, através de um curto espaço de tempo no ar, propiciava quase que a sensação de um vôo. Por que não voar então? Os demais meninos do bairro, não diferentes a mim, também queriam “voar”, cada um buscava construir uma rampa maior para lançar-se aos saltos cada vez mais altos e mais distantes. Assim realizaríamos o desejo de voar.

Nas Festinhas de garagem em casas de amigos, com as namoradas, ou nas férias na praia, eis que sempre lá estava a grande companheira de todas as horas, a bicicleta. Em 1984, quando eu estudava em um colégio localizado bem no centro da cidade, por óbvio que eu ia às aulas com minha companheira de duas rodas; fazia isso para economizar o dinheiro do ônibus e posteriormente gastá-lo no fliperama e ou, na lanchonete. Pude perceber muitas vezes que era eu o único a fazer isso, pedalar pra economizar a passagem, havia inclusive quem achasse errado andar de bicicleta no centro da cidade. Mas através do exemplo outros colegas passaram a aderir à ideia e começaram a fazer o mesmo, pedalar. O reflexo disso foi logo notado já no poste em frente ao colégio, que ficou pequeno para amarrar todas  as bikes. E pensar que tudo isso aconteceu, sem nem sequer saber nada sobre essa tal mobilidade urbana tão necessária e imprescindível aos dias de hoje.

A vida seguiu seu curso, eu passei no vestibular de educação física, com isso me mudei para Florianópolis, onde morava no cetro da ilha, porém a faculdade era no continente e o trabalho ficava há uns 5 km de casa, o que me fez não ter dúvidas ao optar mais uma vez pela alternativa de sempre, as duas rodas, dois pedais e um guidão. Nesta época a bicicleta que pude arrumar era de um modelo feminino, não sendo é claro a mais adequada para o meu perfil. Por óbvio que nem preciso detalhar as piadinhas e chacotas que emanaram do meu meio transporte. Mas como em tudo, sempre tem o lado positivo, a cestinha e o bagageiro da minha bicicleta me ajudaram em muito, a carregar para cima e para baixo meus pertences pessoais, meus livros e apetrechos da faculdade. Em virtude disso, hoje não mais me permito ficar sem bagageiro, de modo algum.

Com o avançar do tempo, chegou a idade de tirar a habilitação e procurar ter um carro pra sair com a gatinha, para inclusive viajar nos finais de semana. Isso era tudo que um jovem naquela época queria, não seria diferente comigo, ao menos nesse aspecto não. No entanto, como nem sempre as coisas são do modo que queremos, não foi dessa vez diferente, pois como éramos em três irmãos e um carro, nem sempre podíamos contar com o “Quindim, era assim carinhosamente chamado o fusquinha 76 amarelo reluzente. Mais uma vez, entra em cena a bicicleta,  como sendo a opção mais certa e confiável, principalmente nas madrugadas em que não havia transporte coletivo.

Em paralelo a isso tudo, treinei no velódromo com Adir Romeu para provas de ciclismo de estrada, fui triatleta e fiz várias trilhas de mountainbike.  Foram tantas as experiências, uma aqui e outra ali, que isso me proporcionou cada vez mais conhecimento e segurança de como ir e vir de bicicleta a qualquer lugar, em qualquer tempo. Jamais pudera eu pensar que a bicicleta atingiria essa enorme importância, a qual tem hoje, no que tange a sustentabilidade e nas formas de à esta alcançar .

A bicicleta é o primeiro transporte mecânico individual construído pelo homem, e em momento algum a bicicleta, no auge dos seus 215 anos de história, reconhecida como meio de transporte,  deixou de ser utilizada por milhões de pessoas ao redor do mundo .  Ao meu ver, e no meu agir, deixar o carro em casa é costume nos dias de hoje, especialmente nos horários de pico, em que me desloco mais rápido estando em uma bicicleta.

Essa forma de pensamento não aparece do nada, do dia para a noite, mas sim ao longo da vida e das experiências que vamos acumulando, das opiniões que vamos solidificando e das atitudes que tornamos concretas. O que realmente conta são os exemplos obtidos em nossas casas, inclusive devo muito disso tudo aos meus pais, que sempre, por iniciativa própria, nos passaram valores por meio de atitudes conscientes. Sempre ao carro, meus pais usavam cinto de segurança, até mesmo muito antes deste ser obrigatório. Separavam papéis, jornais, garrafas e o que pudesse ser aproveitado, destinando à doação o material separado, isso também, muito antes de haverem programas de separação incentivados pela prefeitura.  Sempre respeitaram plantas e animais, não por força de lei, mas por mera convicção. É o velho ditado: “A palavra convence, o exemplo arrasta”. Foram estes e outros tantos bons valores que aprendi vendo meus pais colocarem em prática, que hoje quando me perguntam sobre minha religião, respondo em alto e bom tom:  Pratico o praticar o bem, pois é isso que aprendi em casa.